Há 3 anos atrás estava voltando da montanha mais alta das Américas, Aconcagua, sendo também a mais alta do mundo fora dos Himalaias. Dessa vez a aventura não podia ser menos ousada, e a viagem foi para a montanha mais alta do Chile, o vulcão mais alto do mundo: Ojos Del Salado com 6893m. Vou contar agora como foi essa expedição que durou 13 dias para o topo do Chile.
Fui capturado uma propaganda nas redes sociais. Foi assim que fiquei impressionado com a possibilidade de escalar o maior vulcão do mundo, Ojos Del Salado. A postagem da @gentedemontanha me pegou em cheio e o desejo bateu forte. Logo entrei no site, li o descritivo, me inscrevi, vi o que precisava de equipamento, aluguei e pronto!
O destino inicial é a pequena cidade de Copiapó, no Chile. Como ir pra lá foi outra aventura. Saí do Rio de Janeiro, até Porto Alegre e de lá fui de carro com mais 3 pessoas até o Chile. Sim!
Cruzamos o continente, do oceano Atlântico para o Pacífico, mais de 2700 km de estrada percorridos em 3 dias. Já começamos a aventura bem!
Chegamos em Copiapó, onde começaríamos os preparativos. No comando da expedição nada mais nada menos que Maximo Kausch, recordista mundial ao subir todas as montanhas dos Andes com mais de 6 mil metros. Além dele, Arkaitz Ibarra e Mario, compõem o time de guias recordistas. O time de peso para nos levar longe. O plano deste time era subir 3 montanhas para se acostumar com a altitude antes de ir para o gigante Ojos Del Salado.
Laguna Santa Rosa
DIA 1 E 2: Ainda em Copiapó, nós checamos os equipamentos e fizemos uma reunião de breafing durante o jantar. Na manhã seguinte, saímos da cidade em direção ao deserto. 4 horas de carro pelo deserto mais seco do mundo nos separavam do nosso primeiro acampamento na Laguna Santa Rosa. Passando por diversas paisagens exuberantes do Atacama, chegamos ao abrigo Guanaco localizado a 3800m de altitude, quase mil metros a mais que a maior montanha do Brasil! E para melhorar, o frio de 10 graus veio nos dar boas vindas.
Durante a aclimatação bebemos muitaaaa água. Normalmente se bebe 2 litros de água por dia no nível do mar, mas a cada mil metros é necessário 1 litro a mais. Ou seja, bebemos 5 litros!! Pois é… de um dia para o outro mais que dobrar a quantidade de água, não foi fácil. E apesar das varias vezes que acordamos para ir ao banheiro durante a noite, dormimos relativamente bem em camas com colchão. Cada xixi de madrugada era uma pintura das estrelas sobre a via láctea. Impressionante!
Cerro Siete Hermanos
DIA 3: Nosso primeiro dia de trilha foi para a montanha Siete Hermanos, com 4780m. Começamos a caminhada de manhã e logo percebemos a diferença de oxigênio. Respiração ofegante, bastante esforço físico, vento forte e frio nos mostraram onde realmente estávamos. O grupo inicial foi se separando e cada um foi seguindo no seu ritmo.
Muitas pessoas, inclusive eu, tiveram dor de cabeça, enjoo e vômitos. Sintomas normais quando se esta exposto ao esforço físico e à altitude. Chegamos ao nosso objetivo que era 4200 m. Almoçamos e voltamos final da tarde para o acampamento.
Exaustos com nosso primeiro dia, comemos e nos hidratamos muitooo.
DIA 4: No dia seguinte (ainda com dor de cabeça), tínhamos um freeday de descanso. Arrumamos nossas coisas e partimos para mais 120km adentro do deserto para mudar de acampamento. Muita poeira e diversão ao som de rock and roll.
Laguna Verde
Após deixar o acampamento na Laguna Santa Rosa, fomos em direção a Laguna Verde. Um paraíso na terra. No meio do deserto um lago lindo que reflete a imagem de um vulcão em sua superfície.
Montamos acampamento, comemos e hidratamos. Este free Day seria de descanso para no dia seguinte continuar nosso processo de aclimatação para Ojos Del Salado, escalando outra montanha. A altitude continua incomodando já que o lago fica a 4300m, e algumas pessoas continuam se sentindo mal. As minhas dores de cabeça nunca param, mas as mantenho constante controlando os excessos com ibuprofeno (indispensável para quem vai à alta montanha).
No acampamento é possível encontrar piscinas termais aquecidas pela atividade vulcânica que chegam a 40 graus. O mais engraçado é que a alguns metros dali a água da Laguna Verde é extremamente gelada pela água de degelo das montanhas. O local também é ponto de parada para muitos viajantes que se aventuram pelo deserto. Encontramos alguns que estavam viajando de bicicleta (tem doido pra tudo).
Mulas muertas
DIA 5: Acordei com fortes dores de cabeça. Parece que meu corpo estava demorando em se acostumar com a falta de oxigênio. Mesmo assim, saímos de manhã para subir a montanha Mulas Muertas de 5200m. Andamos de costas para a Laguna Verde, perdendo parte do espetáculo. Os ventos começam a pontualmente às 11 horas da manhã, o que dificultou a parte exposta da trilha.
Depois de uma breve parada para o almoço, as dores de cabeça sumiram. Continuamos a trilha com bastante vento e onde antes era terra, passou a ser pedra. Grandes. Chegamos ao nosso objetivo que era uma ascensão de quase mil metros.
Chegamos ao acampamento cansados, mas sabendo que o dia seguinte era de descanso, o que dava o sentimento de uma sexta feira para todos. Comer e se recuperar.
DIA 6: Ahhh como é bom descansar. Tiramos o dia para não fazer nada. Comemos, hidratamos (desta vez 6 litros/dia), jogamos baralho, tomamos banho nas águas termais, fizemos sessão de fotos…um belo dia para se recuperar, já que no dia seguinte nossos limites seriam testados.
Nevado São Francisco
DIA 7: Um dia bastante esperado por todos os viajantes: a primeira montanha de 6 mil metros da expedição. Um belo desafio para testar as forças para o vulcão Ojos Del Salado.
O jantar do dia anterior não pareceu me cair bem. Fiquei a noite toda acordado, indo ao banheiro e com fortes dores abdominais. Às 4 da manhã, horário que deveríamos acordar para nos preparar, avisei o Maximo sobre meu estado de saúde. Fui examinado e medicado, e ainda sob efeito da forte dor, partimos para o vulcão São Francisco.
Saímos da Laguna Verde às 5 da manhã e percorremos 12 km até chegar à base do Nevado São Francisco. Sem conseguir tomar café, começamos nossa trilha ainda no escuro e sob um frio extremo. Queria começar a andar logo para me aquecer, pois estava tremendo de frio.
O remédio começou a fazer efeito e as dores se amenizaram. Comecei a caminhar e logo me senti fraco por não ter comido e pela trilha ser bastante íngreme. Chegamos a parte de gelo, o que significa o acesso à cratera. Neste ponto já estávamos muito cansados.
Pessoas foram ficando para trás. Os momentos de descanso eram um grande alívio, que acabavam quando o guia gritava “1 minuto!”. Enfim, fizemos uma última parada para repor as energias e subir a parte final para a borda da cratera.
Quase que me arrastando, passo a passo, fui chegando ao cume. Momento extremamente emocionante ver os amigos que já haviam chegado, gritando e dando força para os demais que estavam a subir. Finalmente, depois de mais de 6 horas caminhando, fraco, com frio e muito vento, chegamos ao Cume do Nevado São Francisco. Para muitos, o primeiro 6 mil.
A exaustiva decida de mais de 3 horas foi recompensada pela paisagem que dessa vez se mostrara em um final de tarde lindo. Aquele sentimento de missão cumprida a flor da pele.
DIA 8: Dia de descanso e de recuperação depois da subida ao São Francisco. Estávamos cansados, mas bastante felizes com o desempenho de todos. Jogamos baralho, comemos e descansamos.
Acampamentos Atacama e Tejos
DIA 9: Arrumamos as malas, nos despedimos da Laguna Verde e partimos acampamento acima. Dessa vez acamparemos a 5200 metros já na base do Ojos Del Salado. É como se dormíssemos mais alto que o Mont Blanc na Europa. E foi exatamente assim que nosso corpo reagiu com muito frio e dor de cabeça. Montamos as barracas no acampamento Atacama e descansamos para o dia seguinte.
DIA 10: Saímos do acampamento Atacama em direção ao Tejos, nossa última parada antes do ataque ao cume do gigante Ojos Del Salado. O acampamento está localizado a 5800m e demoramos cerca de 3 horas de subida até lá. Mantivemos nosso ritmo bom, caminhando a 1 km/h. Pode parecer lento, mas suficiente para ir longe cansando pouco. Neste local é possível encontrar um abrigo fixo com camas e bem protegido do vento.
Comemos nossas comidas liofilizadas no jantar e nos preparamos para o grande dia: o cume do maior vulcão da terra! Os nervos estavam a flor da pele e todos muito apreensivos com o gigante a nossa frente. Tínhamos nos preparados todos aqueles dias (e meses antes), para o dia de amanhã. Preparados?
Ojos del Salado
DIA 11: Dia da primeira tentativa ao Cume. Acordei às 3 da manhã com dor de cabeça depois de uma noite curta. Tomamos o café com ibuprofeno, colocamos os crampons e logo estávamos em fila novamente, caminhando na escuridão.
Em meio ao breu, nossas headlamps iluminavam os 10 metros a nossa frente. A única coisa que ouvíamos além de nossa respiração ofegante eram os ventos uivando sobre o capuz. Logo percebi que estava com frio nos pés. Meu pesadelo tinha se repetido como no Aconcagua. Comecei a suar nos pés e o próprio suor começava a congelar. Comecei a fazer as técnicas de aquecimento que se prolongaram por 3 horas, até o amanhecer.
Com medo de congelar os dedos dos pés pensei em voltar, porém desistir naquele momento seria arruinar um sonho. Continuei seguindo. O sol finalmente sai e começa a aquecer nossos corpos e espírito. Meu pé melhora e animado com isso a única coisa que me preocupa é o cansaço.
Já se passavam das 10 horas da manhã. As pessoas que antes andavam em fila uniforme começaram a se distanciar umas das outras, caminhando no ritmo que aguentavam. Com neve até o joelho, cada passo era cansativo e ficamos exaustos antes das 11 horas. Para piorar o nosso psicológico, a trilha tinha sido coberta pela neve e nosso Guia teve a difícil tarefa de abrir com um piolet (machadinho) o caminho, enquanto esperávamos.
Tomado pelo cansaço, cheguei me arrastando pela cratera onde paramos para descansar. O ar frio de cada respiração me fazia tossir, trazendo o medo de um edema. A vontade de vomitar era um sinal da exaustão física que cheguei. Graças à força passada pelo Maximo, continuei me “arrastando” montanha acima, com a esperança de que a cada passo, estávamos mais perto do nosso objetivo.
Ojos del Salado – Cume
Finalmente chegamos à última parte. Com ventos de 110km/h tivemos que utilizar cordas e escalar a borda da cratera do Ojos Del Salado. Não me aguentando, chorei de felicidade e sentei para descansar no ponto mais alto daquele país. Tinha conseguido! Das 27 pessoas que foram apenas 5 premiados chegaram ao cume. Um desafio e tanto.
Muito debilitado com a subida e desconfortável com os ventos fortes, fui o primeiro a descer do cume com a ajuda das cordas. A neve trazida pelo vento ofuscava nossa visão e entravam pelos poucos lugares descoberto. Tinha dado tudo de mim na subida que não me restavam forças para a volta.
Chegamos em Tejos onde a caminhonete estava a nossa espera para nos levar de volta a Laguna Verde. Todos os cinco bravos montanhistas foram recepcionados muito calorosamente por todos pela conquista do Ojos Del Salado.
DIA 12: Após nossa noite de muitas risadas sobre minha queda, arrumamos as coisas para deixar o acampamento e voltarmos para a cidade de Copiapó.
A viagem de Ojos Del Salado fica por aqui, mas as aventuras não. Acompanhem as postagens no meu instagram para conferir outras aventuras.
Me despeço aqui agradecendo imensamente toda a estrutura, atenção e profissionalismo da @gentedemontanha.