Começar no montanhismo vem sempre de uma longa história com a natureza e as aventuras em montanhas perto de onde vivem. Bem, esse não foi o meu caso quando meu irmão Moeses Fiamoncini me chamou para subir o Aconcágua. Ela é a maior montanha do hemisfério sul do mundo e a maior montanha fora dos Himalaias, com 6962 m de altitude.
Na hora pensei: ” logico!”. Com pouca experiência em montanhas de altitude, acabei topando pensando que mesmo sendo difícil, seria uma grande aventura. Quando comecei a pesquisar sobre o Aconcágua para sabe onde estava me metendo, vi que pessoas morrem nela! Sim, igual nos filmes do Everest. Que belo começo no montanhismo. Porém já estava decidido, e quanto mais desafio, mais minha motivação crescia.
Me preparei técnica, psicológica e fisicamente para o desafio. Li dezenas de artigos, informações técnicas sobre a escalada, fisiologia do corpo humana em altitude, me tornei especialista nos equipamentos. Estava tudo pronto para começar.
A aventura seria ainda mais emocionante pois escolhemos fazer a expedição ao Aconcágua sem auxílio de empresas de guias ou qualquer serviço extra de alimentação ou barraca.
O começo da aventura foi em Mendoza. Lá é possível encontrar algumas lojas para compra e aluguel de material específico para o Aconcágua. A melhor delas é o Refugio. Outra coisa necessária para a escalada é o permisso de escalada que deve ser retirado na prefeitura. Já avisando que não é barato. Lá mesmo na prefeitura é possível pegar a indicação de empresas que façam o serviço Aconcagua, podendo escolher o que necessita, como mulas até o acampamento base, refeições ou mesmo guias.
Trekking ao Aconcágua
Saímos de ônibus de Mendoza. Paramos em Penitentes, onde despachamos parte da carga para o acampamento base e conhecemos Pablo, o montanhista uruguaio que iria tentar sozinho o Aconcágua. A equipe estava formada! Fomos de carro até a entrada do parque e começamos nossa caminhada rumo ao primeiro acampamento Confluencia à 3400m de altitude.
Montamos acampamento, cozinhamos e descansamos depois das 4 horas de caminhada. No dia seguinte acordamos bem e partimos diretamente para o acampamento base Plaza de Mulas. O que normalmente se faz é dormir mais uma noite em Confluencia para aclimatar, fazendo o trekking para Plaza Francia.
Cheguei muito cansado com a chegada a 4300 m de altitude logo no segundo dia e por isso tive dores de cabeça. Um problema comum na aclimatação. Foram alguns dias de descanso com trekkings para os acampamentos mais altos, levando equipamentos e seguindo o ciclo de aclimatação de “escalar alto e dormir baixo”.
Por se tratar de uma expedição independente, tivemos que descongelar a neve para tomar água e cozinhar. No acampamento base ganhamos uma sacola vermelha, onde deveríamos guardar nossos dejetos fisiológicos. Sim, banheiro para nº2 foi dentro de saquinho. E tínhamos que traze-lo de volta conosco sob risco de multa caso não mostrasse ao guarda parque.
Ataque ao Cume do Aconcágua
A cada acampamento um desafio que foi superado e uma grande vista para ser registrada. Nossa programação estava prevendo uma janela no tempo para que poderíamos utilizar para fazer ataque ao cume. Nos preparamos para aproveita-la.
Saímos do acampamento Nido de Condores com um dos maiores frios que já senti. Praticamente todos os guarda-parques nos aconselharam sobre o frio e o problema com nevascas. Posteriormente descobri que foi uma das temporadas mais frias dos últimos anos graças a chegada atrasada do El Nino.
Após menos de 1 hora de caminhada, uma nevasca nos atinge, cobrindo o caminho já marcado pelos outros aventureiros e impossibilitando nossa subida. Descemos decepcionados de volta ao acampamento. Não seria dessa vez.
Qual o seu limite?
Verificada a previsão do tempo, descobrimos mais uma janela meteriológica em 3 dias. Aguardamos a chegada nos preparando para o grande dia.
Dessa vez partimos do acampamento Cólera a 5970m de altitude. Começamos nosso segundo ataque ao cume às 3 da manhã esperando retornar antes das 14 horas, horário previsto de entra de nuvens. Ao amanhecer pude ver um dos mais bonitos nasceres do sol que já vi.
Estava chegando a parte mais difícil da escalada. Após horas de caminhada com neve até as canelas, minha água acabara à algum tempo, assim como o carboidrato em gel e barrinhas de cereal. Estava aos pés de da canaleta, uma subida inclinada, que levava diretamente ao cume.
Com minhas forças esgotadas a horas, fui me movendo passo a passo, parando para respirar profundamente a cada 20 segundos. Enfim, estava próximo do cume. Minha chegada debaixo de lágrimas foi a parte mais emocionante da viagem. Chegar ao cume do Aconcagua a 6962m !!
A descida foi igualmente desafiadora. É onde a maioria dos acidentes acontecem. Comecei a sentir meu crampon quebrado e estava fazendo muita falta sobre aquele gelo escorregadio. Descemos até Plaza de Mulas em uma única tacada.
Na manhã seguinte comecei a descer relembrando cada momento que havia passado na montanha. Foram momentos em que estava completamente presente, intensos, desafiadores e dolorosos, mas acima de tudo recompensadores.
Caí no choro novamente ao chegar na entrada do parque onde um carro estava me esperando para voltar a civilização.
O Aconcágua não é uma montanha técnica. É possível chegar ao cume apenas caminhando. Porém não pensem que é fácil. Para mim, foi extremamente exaustiva física e psicologicamente. Recomendo que antes de tentar faze-la, realize outras montanhas de 6 mil metros.