10.000 de Altimetria

Você gosta de pedalar? então este é um bom desafio para você.

Há 1 ano minha assessoria de triathlon propôs o desafio de pedalar até somar a altimetria acumulada de 8848m, a altura da maior montanha do Mundo. E por isso, o nome do desafio não poderia ser outro: EVERESTING.

O local escolhido foi a subida da estrada Dona Castorinha, rota conhecida entre os ciclistas que querem “escalar” as ladeiras dos “alpes cariocas”. Ela liga o Jardim Botânico ao Alto da Boa Vista com o trecho de subida intensa até a mesa o Imperador. Desafio dado, desafio concluído. Foram 20 exaustivas subidas feitas em 23 horas de Mountain bike.

Este ano o desafio deveria ser algo inovador que aumentasse mais meu limite. Então escolhi o desafio de subir a altimetria acumulada de 10.000 metros. Este é um evento anual chamado Ride For Change que a Tribus Adventure realiza para arrecadar cobertores e/ou doações para uma instituição Comida por Amor.

Desta vez, o desafio além de ser maior, tinha o agravante de ter que fazer sozinho, apenas com o carro de apoio com meus suprimento na base e mais ninguém!

Me planejei para começar à 1:00 am. Grande erro. Dormi 2 horas no dia anterior para acordar às 23:00, arrumar os suprimentos no carro, chegar ao local e começar à 1:00. A noite estava fria por volta de 16°C mas foi logo esquentando a medida que as subidas foram exigindo do corpo. Ainda de madrugada presenciei uma família de GATOS DO MATO, que estava na beira do asfalto com seus olhos brilhantes da luz da minha lanterna. Este ano comprei um bike speed, pneu fino, metade do peso da MTB que fiz ano passado. Por um lado a vantagem é em ser mais leve e ter menos atrito com o solo. Por outro, a relação de marchas e a posição mais aero (corpo inclinado para frente) não ajudaram muito. Inclusive esse seria o grande problema do desafio!

5 horas de pedal e estou na sexta subida. O Sol é o presente por chegar até aqui. Outros atletas transeuntes fazem seus treinos sem saber para que eram os quadrados riscados no chão feitos com um pedrinha. Essa era a minha marcação de subidas. Cada subida um tracinho para completar o quadrado riscado. Meus amigos ciclistas chegam para pedalar comigo em algumas subidas ao longo do dia. Por volta das 13:00, fiz um pausa um pouco mais prolongada para comer algo mais sólido e descansar as costas. Esse se tornou um problema crítico que poderia me levar a desistir. As dores na lombar chegam a ser insuportáveis a cada subida. Tenho apoiar dois squeezes no guidão para deixar meu corpo mais ereto e assim conseguir pedalar.

Reclamando de dores fui a oficina do Romariz para descansar e tomar um café. Estava na 10ª subida e muito chateado, pensando em desistir por não aguentar de dores nas costas. “Porque estou fazendo isso?”

Felizmente o Romariz tinha a pistola de massagem e uma pomada Tiger Balm. Fez efeito imediato e reacendeu a oportunidade de finalizar o desafio. A cada descida, 5 min de massagem vibratória na lombar e eu estava novo. Conseguiria seguir assim até o fim!

Do mesmo modo que chegou, o dia alegre e quente foi indo embora entrando na noite fria e silenciosa. Ainda na 15ª subida, sabia que ainda tinha muito chão pela noite adentro Chegava a mais de 180 km percorrido e ainda faltava muito. Aos poucos fui me acostumando novamente a ter a minha única presença ouvindo apenas o som da minha respiração. logo essa paz seria abalada por alguns visitantes.

Imagina, sábado a noite, lugar tranquilo, vazio, com uma vista panorâmica linda do RJ. Já imagina o que seja? Alguns casais sobem a Vista Chinesa para namorar, e como não tem ninguém, o amor é à céu aberto.

Vi cerca de 6 carros e 2 motos subindo a Vista Chinesa. A princípio fiquei com medo de serem ladrões já que o acesso ao parque só é controlado durante o dia. Assim que escutava algum barulho ou farol, desligava minha lanterna, controlava a respiração, cadenciava o pedal e seguia subindo em silêncio. Se for para ser pego de surpresa, que sejam eles. E como um agente secreto, passava despercebidos sem atrapalhar os amorosos visitantes. Passar sem ser percebido foi divertido já que quebrava um pouco da monotonia.

 Durante a noite meus pneus furaram 3 vezes. Estava preparado para isso e mesmo contente em parar para descansar, o ritmo era quebrado e esfriava completamente. A bateria da pistola de massagem acabara significando sinal de alerta para problemas.

Depois de mais de 20 horas pedalando, começo a ALUCINAR. O reflexo dos olhos fica debilitado. Com o balanço do pedal e a pouca luz, começo a enxergar formar diferentes. Uma poça de umidade no asfalto se tornou um caixa de papelão. Uma árvore com galhos secos, era uma pessoa. Sei que tudo é minha imaginação somada aos fatores de fadiga muscular, mental, fome, frio, privação de sono. Passei a me divertir (lembrando o que o Ultra Daniel já passou) e ver o quão longe minha mente me enganava. 

 Aquela árvore que parecia uma pessoa, ficava olhando de longe e não tirava os olhos dela até passar ao lado e ver que realmente era uma árvore. Sinto medo apenas uma vez quando vi, entre os vãos de um muro, uma praia do litoral sul de SC. Ciente daquilo, continuei firme e focado em acabar tudo aquilo.

Recebo a visita mais que especial do meu coach e sua esposa, me trazendo Pizza e palavras de incentivo. 2:00 da manhã e eu ainda estou pedalando. Passo a marca de 24h sem dormir e pedalando. Somo 220 km até o momento e continuo alucinando, dessa vez com o monumento da Vista Chinesa se mexendo.

Finalmente a última subida. Já não me importo mais em que horas vou acabar, nem nas dores, nem nos desenhos formados pela minha cabeça. Só me importo em terminar. E lá vem mais um pneu furado. Não estava creditando que na última subida teria esse problema no meio do caminho. Sem câmara para trocar, decidi subir assim mesmo. Inflava o pneu com uma bomba de mão a no máximo 70 PSI, e seguia o mais rápido possível até ele esvaziar novamente. 

Repeti esse processo 9 vezes, cheguei finalmente a Mesa do Imperador somando 23 subidas em 27 horas. Agora faltava descer, repetindo o mesmo processo de parar, inflar, pedalar, parar, inflar e pedalar.

Desafio bom! que me levou ao limite físico e mental! Somente assim descobrimos o potencial humano para conquistar coisas “impossíveis”.

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